sábado, 8 de dezembro de 2012

Esta sou eu a desistir. Esta sou em em desespero a tentar não desistir. Sou eu em pânico, ferida aberta. Sou eu a desistir do que jurei nunca desistir, do que ansiei repetidamente dia após dia. Sou eu a desistir de mim, do que sonhei, do que continuo a sonhar, continuo a querer. Sou eu em dor sem ser nada mais. Sou eu a detestar-me por querer desistir, por não querer desistir. Sou eu a odiar o mundo em cada lágrima, em cada grito sufocado por não conseguir respirar. Sou eu a morrer de sor e a pedir que a dor mate. Sou eu a sentir-me nada, a sentir tudo. Sou eu a odiar-te de tanto te amar. Sou eu a amar-te e a querer ficar. Sou eu a querer fugir, a não saber mais ser. Esta não sou mais eu.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Tu

Quanto de mim se evade neste espaço vazio onde vivo. Até este texto me foge, por já não saber dizê-lo, escrevê-lo. Tu me foges. E eu sei-o. Ficas saindo como na música. Saís e continuas aqui, estás longe mas estás em mim. Tu, sonhos, vida, planos. Tu, pensamento de todos os minutos. Tu ao acordar e quando tento em vão adormecer. Tu, nas músicas, nas palavras dos outros, letristas, escritores. Estás em todas as palavras. Tu, nos carros que passam, nas pessoas que passam. Tu, nas fotografias que não tirámos, nos passeios que nao demos, na lua que não olhámos, nos dias que não vieram. Tu, na saudade imensa, no sofrimento absurdo, na dor enorme de perda, no gostar. Tu, no gostar que não havia visto igual. Tu, a saíres. Tu, a fugires. As minhas mãos vazias, o meu abraço vazio, os meus olhos vazios. Vazios de não tocar, de não abraçar, de não ver. Não saias, não fujas. Não sei ser vazia de ti.

domingo, 9 de setembro de 2012

Ingenuidade e ignorância... Fazemo-nos homens e mulheres e começamos a passar pelas dores e pelas provações de um mundo de responsabilidades. E muitas vezes é um sofrimento muito grande, muitas vezes são perdas muito grandes e o peso de tudo o que existe caí em nós e parece impossível sobreviver. E quando está assim mau, quando tudo é assim tão mau e parece que sabemos já melhor que ninguém o que é a dor, eis que passa a existir um peso maior que o peso de tudo o que existe. E este caí em cima de nós. E percebemos o quanto eramos ingénuos, o quanto a dor era suportável ao lado da agonia que até então ignorávamos existir. E fico a pensar, até onde pode tudo ir? Quanto mais vou ter de carregar? Este muito será pouco?
Já não sei se sei sequer pensar ou até escrever o que penso, sei-me só anestesiada de dor e angústia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

"We all carry within us our places of exile, our crimes and our ravages. But our task is not to unleash them on the world; it is to fight them in ourselves and in others."

The Rebel, Albert Camus

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Que sei eu sobre o amor? Não sei sequer se sei todos os sentido da palavra amor.. Mas sei muito sobre saudade, sobre falta, sobre vontade... Sei muito sobre dor e sofrer e querer... Sei o que é o coração aflito, apertado, perdido... Também sei os sorrisos e o toque e o cheiro. Sei o que sinto quando abro os olhos e vejo os teus olhos, e vejo a tua boca e a tua pele e a sinto na minha. Sei o que sinto quando te ouço, quando ris, quando me dizes gosto de ti quero-te para mim. Não sei se sei todos os sentidos da palavra amor, não sei se dizer amo-te diz tudo, mas sei que quero dizer muito sobre ti e sobre nós e que se disser num amo-te estou a dizer o mundo inteiro em três sílabas...

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Às vezes sinto muito medo, diminuo dentro de mim mesma como se fosse desaparecer. Medo de perder as vidas que fazem a minha existir. Dói a distância, dói a ausência. E este sufoco aperta-me o coração, volto a ter cinco anos, e estou num quarto escuro onde mal me consigo mexer. Tenho medo de vos perder, tenho medo de me perder de vocês.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Falta

Boa noite. Falta dizer boa noite.
E bom dia. E sorrir de te ver. Falta quietude, sossego, horas sem horários.
Falta ter ombro para chorar, Chorar num ombro quase que dói menos.
Falta falar e ouvir falar, sorrir de sorrir e de ver sorrir.
Falta pele para tocar, para ser tocada, arrepios...
Falta juntar tu e eu, deixar cair a noite e ficar. Um.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Abraça-me

Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Falling from darkness

"Falling from darkness
To a place I don't know
Everything's moving with no place to go
I feel so alone and scared
As I fall, I wonder, "Is anyone there?"

As the days and nights pass right by
I count the nights I just lay and cry
Falling from faith, falling from love
Please, is there anyone up above?

Never did I want to feel like this,
When the answer lies with the slit of the wrist
My mind is racing to find another solution
Before it's too late and I'm just an illusion.

No one knows how I really feel
I just want him to hold me and help me heal
As I fall, I feel the rain"

Anne Powers

domingo, 3 de junho de 2012

Este silêncio, não por falta de barulho, de sons, de vozes.. Este silêncio nas palavras. Este silêncio nas imagens, que se repetem nas lembranças, as fotografias e os momentos parados no dia em que foram fotografias e momentos. Parados no silêncio. Fecho os olhos, e até abertos, e vejo só aqueles dias, aqueles sítios, e os cheiros. Dói que tardem em voltar, dói sentir o tanto que sinto. Este silêncio nas palavras, qual viagem solitária, mesmo não estando sozinha. Quanta sede e fome, e frio. E hoje é um dia quente de verão, e não falta comida na mesa, e água fresca e pessoas à volta a rir. Mas estou presa a esta coisa a que julgo que chamam saudade!

"A saudade não está na distância das coisas, mas numa súbita fractura de nós, num quebrar de alma em que todas as coisas se afundam." Vergílio Ferreira

domingo, 20 de maio de 2012

"As canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo, que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem."
"...tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos..."

sábado, 19 de maio de 2012

Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde. Eu simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.

Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Sim, é em ti. É em ti que penso, agora. És-me todas as palavras e ideias que passeiam na minha cabeça. És-me na insanidade que não me deixa esquecer, todas as horas, demoradas, lentas sem fim. És-me nelas, és-me na pele, nos sentidos, em toda a extensão de mim. Duras, vives, ficas, em mim. Dizer-te que quero um infinito de ti parece-me pouco, tranformar o que és em mim em maneiras de dizer parece-me impossível. Todo o mundo inteiro, o seu peso, o seu tamanho, o seu tempo, tudo, és em mim. És. Sou-te.

sábado, 12 de maio de 2012

Preciso de ti, de ver sempre
que estás a chegar
que te trazes a mim, e a tua cara
e os teus olhos, a ver
a minha cara e os meus olhos a ver também
As tuas mãos a pedir
e a abraçar e os braços
a abraçar também, a apertar
o meu peito, a encostar a minha cara
no teu peito, na tua cara
e o teu colo, qual casa, qual sossego
qual aconchego
Preciso dele, de ti, de te ver chegar
Sempre.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sou a tua casa

Sou a tua casa, a tua rua, a tua segurança, o teu destino. Sou a maçã que comes e a roupa que vestes. Sou o degrau por onde sobes, o copo por onde bebes, o teu riso e o teu choro, o teu frio e a tua lareira. O pedinte que ajudas, o asilo que te quer acolher. Sou o teu pensamento, a tua recordação, a tua vontade. E também o artesão que para ti trabalha, o medo que te perturba e o cão que te guia quando entras pela noite. Sou o sítio onde descansas, a árvore que te dá sombra, o vento que contigo se comove. Sou o teu corpo, o teu espírito, o teu brilho, a tua dúvida. Sou a tua mãe, o teu amante, o marfim dos teus dentes. E sou, na luz do outono, o teu olhar. Sou a tua parteira e a tua lápide. Os teus vinte anos. O coração sepultado em ti. Sou as tuas asas, a tua liberdade, e tudo o que se move no teu interior. Sou a tua ressaca, o teu transtorno, o relógio que mede o tempo que te resta. Sou a tua memória, a memória da tua memória, o teu orgulho, a fecundação das tuas entranhas, a absolvição dos teus pecados. O teu amuleto e a tua humildade. Sou a tua cobardia, a tua coragem, a força com que amas. Sou os teus óculos e a tua leitura. A tua música preferida, a tua cor preferida, o teu poema preferido. Sou o que significas para mim, a ternura que desagua nos teus dedos, o tamanho das tuas pupilas antes e depois de fazer amor. Sou o que sou em ti e o que não podes ser em mim. Sou uma só coisa. E duas coisas diferentes.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

quarta-feira, 9 de maio de 2012

"When does real love begin? At first it was a fire, eclipses, short circuits, lightning and fireworks; then incense, hammocks, drugs, wines, perfumes; then spasm and honey, fever, fatigue, warmth, currents of liquid fire, feast and orgies; then dreams, visions, candlelight, flowers, pictures; then images out of the past, fairy tales, stories, then pages out of a book, a poem; then laughter, then ...chastity. At what moment does the knife would sink so deep that the flesh begins to weep with love? At first power, power, then the wound, and love, and love and fears, and the loss of the self, and the gift, and slavery. At first I ruled, loved less; then more, then slavery. Slavery to his image, his odor, the craving, the hunger, the thirst, the obsession."
 

Anais Nin

domingo, 6 de maio de 2012

Saudades

Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Estou cansada
Eternamente cansada
Cansam-me as manhãs
e as noites, cansam-me até
os fins de tarde.
Estou cansada
Cansam-me as músicas e a chuva
e mesmo as crianças me cansam.
Mas cansa-me
cansa-me ainda mais
ainda muito mais
a saudade!

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Chega... Chega devagar
Traz o o infinito dentro do tempo
Pára no presente,
no que estás comigo
Chega... Quero a tua voz
E o teu jeito de abraçar
E o teu jeito de fazer do tempo
tão pouco tempo
Chega... Estou à espera
E dói o peito de saudades
Do tempo pouco
Em que chegas... Em que estás aqui.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Viver

Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?

E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?

Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?

O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?


Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'

sábado, 14 de abril de 2012

Chuva



Trazes em ti a lembrança e a saudade, o abrigo e o alento no desconforto do descoberto. A beleza da liberdade de lavares os seres e as dores. De caíres sem caminhos, sem traçados, sem escolhas. A crueza de seres uma em infinidades... Chuva. Trazes em ti o descanso no ruído, trazes em ti o frio que aquece, que abraça. Trazes em ti bocados de céu e de terra. O mundo desce nos teus pedaços e envolve. As coisas, e as pessoas. E adormece. As coisas e as pessoas. E acorda, as coisas e as pessoas. Trazes o sal e o cheiro, e os cheiros e o pó e a terra. E as lágrimas... Carregas pesos e vidas no teu jeito leve de tocar. Trazes música e silêncios. Risos e vozes. E solidão.
Lava-me. Leva-me. Ou traz-me de volta.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

"A minha idade irá parar no momento em que partires. Será uma espécie de morte cinzenta. Serás tu que partes mas serei eu que desapareço."
"Juntos, albergávamos uma dor sem nome. E desejámos que chovesse sobre os nossos corpos. Desejámos que os nossos corpos fossem a terra a receber a chuva. Aquilo que podíamos fazer era apenas desejar. Desejámos a chuva. As nossas mãos eram inúteis."
"Deixaste-me eterna de noite
agonizando pelas estrelas
serena e mansa
como um cisne
quando morre a tarde."

Breve

Breve, tão breve...
Tão breve és no meu tempo
Adormeces-me de dor no instante em que me foges
Quando olho, já és só o lugar onde te via
Breve, me deixas
Aqui, breve já foste, quando ainda sinto o cheiro
Quando ainda ouço a voz na distância...
Breve. Oh! Tão breve me és
Tão breve não me és.
Saudade.

domingo, 8 de abril de 2012

quinta-feira, 5 de abril de 2012

De ti

Saudade
De encostar no teu peito
Respirar fundo e pensar:
'Guarda-me no bolso, leva-me para sempre...'

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Menino

O menino brincava na areia
Tranquilo, sereno, trauteando canções de criança
E eu olhava o menino
E sentia falta de ver com olhos de menino
e escutar na minha voz que era de menino
os meus pensamentos crus de menino.
Olhos esses, agora cansados,
Voz essa que, rouca, fala magoada.
Já não sei brincar, ver ou escutar.
E penso angustiada na saudade de pensar nada.
E o menino brincava na areia.
E tudo que eu queria ser estava ali,
nos olhos sinceros de menino
que trauteava canções de criança
tranquilo e sereno.

domingo, 1 de abril de 2012

O tamanho que és em mim

Não tenho tamanho nas palavras
pouco são quando te digo vida
e te digo tudo
e te digo sempre
Vida e tudo e sempre
e ainda vida e tudo e sempre.
Levaria a vida e o sempre
para ter o tamanho nas palavras
do mesmo tamanho que és em mim.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Perdoa-me se te faço sofrer

Perdoa-me se te faço sofrer
Sofrer só é o que faço
Não por vontade, não por opção
Por impotência
Por desnorte e desesperança
Desisto de mim e do mundo
E da luz e do sabor e do cheiro
Desisto da vida
Deixo-me apenas na sobrevida
E guardo em mim um sonho
Um só
Tu

segunda-feira, 26 de março de 2012

Sempre

Chegou o momento em que finalmente conheci o calor na minha vida, as primaveras, o verde e o azul. Conheci a razão e o porquê. Conheci a vontade de pôr um 'sempre' no final de cada frase que lhe disse. Sempre sim. Conheci a vida que tenho ainda por viver e conheci a verdade de perder. Perder a metade que ainda agora havia encontrado. Conheci o fim do que ainda tinha para começar. Ó vida que me fugiste! Só a ti consigo pôr um sempre no final destas frases que te quero dizer. Estas, quero-te sempre, espero sempre, sou-te vida, sou-te sempre. Mesmo longe e sem saber sou-te para sempre porque roubaste e levaste contigo o calor e as primaveras, o verde e o azul. Procura-me vida, quando achares que acabou o inverno em que me deixaste.

domingo, 18 de março de 2012

Apelo

Não consigo respirar. O meu peito encontro-o colado nas costas. Tenho um buraco em vez de barriga e tudo é indigesto. Estou cega. Não ouço. Falar, não consigo, nem andar, nem tocar. Tenho gritos de dor no lugar do cérebro. Deixem-me fugir, ou deixem-me no frio de estar sozinha. Deixem-me dormir em noites como esta. Deixem-me viver. Apelo. Suplico. Preciso ser. Preciso de encontrar de novo o que destruiram quando não deixaram nada. Esqueleto deambulante, com forma de gente e voz de gente, e olhar de gente. E sozinho, vazio de vida. Deixem-me morar de novo em mim. Apelo!

quinta-feira, 15 de março de 2012

Instante

Quanto tanto de mim levas nas palavras breves
Foste embora quando ainda não chegaste
E quando abro os olhos de novo
Passaste fugaz a lembrança.
E no instante em que te vejo
E deixo de ver
Já contigo carregas o meu peito em asfixia
E fica o buraco onde não páro de cair.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Dor

Dou-te com agrado esta tormenta que trago no bolso. Com agrado deixo-te levar esta dor, que dói nos ossos, que dói na pele, que dói no céu da boca e nos dentes, que dói nos olhos. Dói pousar as pálpebras no cansaço, dói obrigar a voz a ter de dizer, dói que os dedos tenham de sentir, que os braços tenham de abraçar e as pernas de andar. Dói ter fome, ter sede, ter sono e não ter sono. Dou-ta. Dou-ta com agrado. Fico apenas com a inexistência e chega para não ter mais de ser. Dói ser.
Dói lembrar que algures num tempo não doía. Não doías. Dói pensar, dói escrever. Dói acordar e ver o sol, ou a chuva, e a chuva com as cores. Dói ver. Dói ver-te. Dói mais ainda não te ver. Dói a dor a doer.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"A despedida já começou em cada palavra porque sei imaginar o silêncio, conheço-o. E ainda não partiste, eu ainda estou aqui. Dentro de mim, gotas de chuva caem sobre uma superfície lisa de água, misturam-se com ela e perturbam-na desde o seu interior. Agora o céu triste."
"Há vezes em que a outra pessoa é o eixo de tudo o que é possível conceber. Não se pode imaginar para lá dos seus detalhes, a imaginação é menor. Nesse instante, a outra pessoa é uma espécie de Las Vegas. Depois adormecemos e acordamos a pensar no seu rosto. Mas a outra pessoa não é apenas uma imagem. É um silência morno, monstro, a explodir significados que não somos capazes de entender, mas que distinguimos até do nevoeiro mais sólido e que, se for preciso, defendemos até a nossa pele se gastar, até gastarmos a pele e, claro, morrermos."

sábado, 18 de fevereiro de 2012

"Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê."
Luís de Camões
Dizem-me ingrata, patética! Fria... Não. Não vou ceder ao vosso mimo para que não choreis. Não vou ser delicada para vos ver sorrir. Não vou atrás quando a porta bater. Não digo que sim. Não. Agora, sozinha outra vez...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Escuta. Silêncio que separa mundos vidas corpos sorrisos olhos mãos.
Morosas noites de silêncio de espera de angústia de dor.
Escuta. As lâminas das palavras tiradas à força a rasgar a pele do peito do corpo desprotegido de só. Escuta. Sozinha. Escuta. Chora. Escuta. Pede. Escuta. Falta. Escuta.
Dói. O silêncio dói.
"Aquilo que não te sei dizer existe com muita força e, se tentasse encontrar-lhe nomes, estaria a diminui-lo, a transformá-lo em qualquer coisa possível."

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Escuta, ouve

"Dentro de nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as partes.
Questiono os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo.
    Escuta,
    ouve."
   

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Hoje penso, não tenho nada.
Delírios de um sol-pôr, delírios de chuva e banhos de mar.
Não tenho nada, penso. E não sei dormir.

sábado, 7 de janeiro de 2012

 O tempo chega e pára sobre as coisas. A porta do quarto continua meia aberta, a roupa da cama desfeita parada, a torneira a jorrar água quente, o vapor a encher de fumo a casa de banho. Na banheira o corpo dela, já perdido do mundo, já perdido de si mesmo. A pele branca a unir-se a porcelana branca também, e o cabelo a seguir o caminho da água, preto de estar molhado. Os olhos, quase brancos, sem vida alguma, como se fossem de vidro. O tempo que parou para sempre naquele momento. A morte, fria, escura, triste. Salvação?

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Noite

Quanto desassossego trazes em teu silêncio, nevoeiro escuro talhado de agonias. Impões-te serena, altiva da tua grandeza e sobes-me voraz, no peito desprotegido, abrindo caminho com lâminas de gelo. O sangue quente a perder-se da vida, a vida a perder-se do corpo, o corpo a cair sobre si mesmo, num abismo de desconsolo. A impotência das mãos trémulas, carentes de forças. Os olhos vermelhos de sangue, a querer fugir deste lugar, a olhar o negro, perdidos no desespero. Os pensamentos de morte, sem fim, que trazes em teu silencio, que sobe em meu peito, desprotegido, e aperta como se fosse partir todas as costelas, uma a uma ou de uma só vez. O desassossego que decidiu ser meu companheiro, de todas as horas, que adormece a meu lado, sobre a minha almofada, e acorda comigo, fiel como nada mais. Hoje, como sempre, chegas, e eu passiva, espero, sozinha e desistente. Cansada de mim mesma.