domingo, 20 de maio de 2012

"As canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo, que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem."
"...tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos..."

sábado, 19 de maio de 2012

Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde. Eu simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.

Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Sim, é em ti. É em ti que penso, agora. És-me todas as palavras e ideias que passeiam na minha cabeça. És-me na insanidade que não me deixa esquecer, todas as horas, demoradas, lentas sem fim. És-me nelas, és-me na pele, nos sentidos, em toda a extensão de mim. Duras, vives, ficas, em mim. Dizer-te que quero um infinito de ti parece-me pouco, tranformar o que és em mim em maneiras de dizer parece-me impossível. Todo o mundo inteiro, o seu peso, o seu tamanho, o seu tempo, tudo, és em mim. És. Sou-te.

sábado, 12 de maio de 2012

Preciso de ti, de ver sempre
que estás a chegar
que te trazes a mim, e a tua cara
e os teus olhos, a ver
a minha cara e os meus olhos a ver também
As tuas mãos a pedir
e a abraçar e os braços
a abraçar também, a apertar
o meu peito, a encostar a minha cara
no teu peito, na tua cara
e o teu colo, qual casa, qual sossego
qual aconchego
Preciso dele, de ti, de te ver chegar
Sempre.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sou a tua casa

Sou a tua casa, a tua rua, a tua segurança, o teu destino. Sou a maçã que comes e a roupa que vestes. Sou o degrau por onde sobes, o copo por onde bebes, o teu riso e o teu choro, o teu frio e a tua lareira. O pedinte que ajudas, o asilo que te quer acolher. Sou o teu pensamento, a tua recordação, a tua vontade. E também o artesão que para ti trabalha, o medo que te perturba e o cão que te guia quando entras pela noite. Sou o sítio onde descansas, a árvore que te dá sombra, o vento que contigo se comove. Sou o teu corpo, o teu espírito, o teu brilho, a tua dúvida. Sou a tua mãe, o teu amante, o marfim dos teus dentes. E sou, na luz do outono, o teu olhar. Sou a tua parteira e a tua lápide. Os teus vinte anos. O coração sepultado em ti. Sou as tuas asas, a tua liberdade, e tudo o que se move no teu interior. Sou a tua ressaca, o teu transtorno, o relógio que mede o tempo que te resta. Sou a tua memória, a memória da tua memória, o teu orgulho, a fecundação das tuas entranhas, a absolvição dos teus pecados. O teu amuleto e a tua humildade. Sou a tua cobardia, a tua coragem, a força com que amas. Sou os teus óculos e a tua leitura. A tua música preferida, a tua cor preferida, o teu poema preferido. Sou o que significas para mim, a ternura que desagua nos teus dedos, o tamanho das tuas pupilas antes e depois de fazer amor. Sou o que sou em ti e o que não podes ser em mim. Sou uma só coisa. E duas coisas diferentes.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

quarta-feira, 9 de maio de 2012

"When does real love begin? At first it was a fire, eclipses, short circuits, lightning and fireworks; then incense, hammocks, drugs, wines, perfumes; then spasm and honey, fever, fatigue, warmth, currents of liquid fire, feast and orgies; then dreams, visions, candlelight, flowers, pictures; then images out of the past, fairy tales, stories, then pages out of a book, a poem; then laughter, then ...chastity. At what moment does the knife would sink so deep that the flesh begins to weep with love? At first power, power, then the wound, and love, and love and fears, and the loss of the self, and the gift, and slavery. At first I ruled, loved less; then more, then slavery. Slavery to his image, his odor, the craving, the hunger, the thirst, the obsession."
 

Anais Nin

domingo, 6 de maio de 2012

Saudades

Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"