domingo, 27 de novembro de 2011

Um corredor branco, incólume, infinito
Uma atrás da outra, frias, tristes, severas
São portas, escondem, desafiam
Não ouso, não arrisco
Tenho medo.
São vidas, são escolhas, são metas
São oportunidades, são obstáculos
São jogos, são teimas
E teimo em não abrir
Teimo em seguir, olhando
Com remorso, com arrependimento
De desistente, de cobarde
Não me sei bravura, coragem,
Não me sei vitória, ou força
Sei que olho as portas
E teimo em não abrir

Filho

"...estávamos de mãos dadas. Segurar a pequena mão dele, sentir os seus dedos pequenos a agarrarem a minha mão é uma justificação óbvia para tudo, para a vida. Vale a pena nascer, crescer, vale a pena a adolescência inteira, todos os sacrificios, vale a pena a responsabilidade, vale a pena sair pelo desconhecido e ter de estar preparado para o impossível, vale a pena ler obras completas, passar os dias fechado apenas a ler, vale a pena comer sopa, aprender a fazer sopa, vale a pena lavar loiça para ter a oportunidade de segurar-lhe a mão."

terça-feira, 22 de novembro de 2011

"He ran to the end of the train and watched as her figure, once gigantic, now shrank in his eyes, but grew more than ever in his heart. "

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Fugir

Fugir deste mundo que me consome, que me sufoca. Viver na penumbra, na sombra da abstracção.
Tentar, vomitar de esforço, sangrar de dor, desmaiar de cansaço.
Voltar, às ideias que me algemam aos dias. Não tenho para onde fugir...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Desnorte

Assim fico. À procura, desesperante, de rumos para os dias, de vida para os dias. Sem nada, ou muito pouco. Num caudal de lamentos a mim própria como se me pudesse ajudar. Oxalá pudesse. Nem eu. Há horas em que não sobra nada, é um vazio cheio de nada, sem fim. Há outras horas, as mais sufocantes, que fico presa numa tortura quase que auto-infligida, por não conseguir (querer?) evitar. Há ainda as horas em que alivia, em que vou lembrando e esquecendo, lembrando e esquecendo, lembrando e tentando esquecer que continuo neste desnorte. 
E assim fico. À procura.

Hora que Passa

Vejo-me triste, abandonada e só 
Bem como um cão sem dono e que o procura 
Mais pobre e desprezada do que Job 
A caminhar na via da amargura! 

Judeu Errante que a ninguém faz dó! 
Minh'alma triste, dolorida, escura, 
Minh'alma sem amor é cinza, é pó, 
Vaga roubada ao Mar da Desventura! 

Que tragédia tão funda no meu peito!... 
Quanta ilusão morrendo que esvoaça! 
Quanto sonho a nascer e já desfeito! 

Deus! Como é triste a hora quando morre... 
O instante que foge, voa, e passa... 
Fiozinho d'água triste... a vida corre... 

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

domingo, 13 de novembro de 2011

 "I have nowhere to send this letter and no reason to believe you wish to receive it. I write it only for myself. And so I will hide it away along with all the things left unsaid and undone between us." 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O silêncio do que digo

Hoje à noite sentei-me no café com uma amiga. Como todas as noites. Com a mesma amiga.
Pedimos um café e acendemos um cigarro com o mesmo ar aborrecido de sempre o fazermos. As caras à volta são as mesmas, e o cheiro a cigarros é o mesmo. O café desperta o paladar como nas outras noites, com a mesma quantidade de açúcar, mexido talvez o mesmo número de vezes ou então uma mais ou uma menos. 
Ali estávamos as duas. Com o mesmo olá e o mesmo sorriso de gostarmos uma da outra. E as conversas que conversamos por conversar e que gostamos porque fazem rir, porque fazem lembrar, porque fazem o tempo passar sem demorar. E hoje rimos, e rimos muito. Hoje fez-se uma hora ou duas num minuto ou dois que pareceu. Hoje sentei-me no café com uma amiga e pensei vezes muitas ela é minha amiga e gosto dela. E disse muitas coisas, e nessas muitas coisas que disse queria ter dito és minha amiga e gosto de ti. Mas não precisei, ela ouviu no silêncio do que disse, tudo o que eu lhe queria dizer. Porque as palavras têm destes silêncios, estes que gritam e às vezes são ouvidos. Eu ouvi. Ela também. Hoje à noite sentei-me no café e disse muito mais do que aquilo que disse e ouvi muito mais do que aquilo que ouvi.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Vejo-te a chegar

Sempre te vejo
Sempre que olho
Vejo e vens no vento
No sibilar por entre os ramos,
as folhas.
Vejo-te nas sombras
sempre que olho,
no dia, do sol
na noite, das luzes.
Vejo-te nas caras
deste que passou,
daquele que vem além.
Vejo-te nas vozes
nas músicas
nas palavras
que leio, que ouço e digo.
Vejo-te ainda mais
Quando pouso as pálpebras
Quando pouso o corpo
Quando pouso as dores do dia
e tento dormir.
Aí vejo-te a chegar
E contigo o mar.

sábado, 5 de novembro de 2011

O sonho é a pior das cocaínas

O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma. 

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

Sofro de não te ver

Sofro 
de não te ver, 
de perder 
os teus gestos 
leves, lestos, 
a tua fala 
que o sorriso embala, 
a tua alma 
límpida, tão calma... 

Sofro 
de te perder, 
durante dias que parecem meses, 
durante meses que parecem anos... 

Quem vem regar o meu jardim de enganos, 
tratar das árvores de tenrinhos ramos? 



Saúl Dias, in "Sangue (Inéditos)"

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Hoje, penso.

É só uma janela. Penso.
A luz pública, as árvores, os carros. O outono, o céu carregado, pesado de água, o vento frio. E penso. São só árvores, só carros, só chuva. O que há de belo? Eu também o acho. Mas não hoje.
Hoje, penso. Olhos azuis são só olhos azuis. Poesia é apenas palavras, letras. Música é só barulho.
Hoje, penso. Telas são panos brancos, e quando pintados são panos brancos com tinta.
Hoje, penso. Tudo é apenas qualquer coisa. Qualquer coisa só.
Não é assim mas hoje o é.