quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Dor

Dou-te com agrado esta tormenta que trago no bolso. Com agrado deixo-te levar esta dor, que dói nos ossos, que dói na pele, que dói no céu da boca e nos dentes, que dói nos olhos. Dói pousar as pálpebras no cansaço, dói obrigar a voz a ter de dizer, dói que os dedos tenham de sentir, que os braços tenham de abraçar e as pernas de andar. Dói ter fome, ter sede, ter sono e não ter sono. Dou-ta. Dou-ta com agrado. Fico apenas com a inexistência e chega para não ter mais de ser. Dói ser.
Dói lembrar que algures num tempo não doía. Não doías. Dói pensar, dói escrever. Dói acordar e ver o sol, ou a chuva, e a chuva com as cores. Dói ver. Dói ver-te. Dói mais ainda não te ver. Dói a dor a doer.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"A despedida já começou em cada palavra porque sei imaginar o silêncio, conheço-o. E ainda não partiste, eu ainda estou aqui. Dentro de mim, gotas de chuva caem sobre uma superfície lisa de água, misturam-se com ela e perturbam-na desde o seu interior. Agora o céu triste."
"Há vezes em que a outra pessoa é o eixo de tudo o que é possível conceber. Não se pode imaginar para lá dos seus detalhes, a imaginação é menor. Nesse instante, a outra pessoa é uma espécie de Las Vegas. Depois adormecemos e acordamos a pensar no seu rosto. Mas a outra pessoa não é apenas uma imagem. É um silência morno, monstro, a explodir significados que não somos capazes de entender, mas que distinguimos até do nevoeiro mais sólido e que, se for preciso, defendemos até a nossa pele se gastar, até gastarmos a pele e, claro, morrermos."

sábado, 18 de fevereiro de 2012

"Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê."
Luís de Camões
Dizem-me ingrata, patética! Fria... Não. Não vou ceder ao vosso mimo para que não choreis. Não vou ser delicada para vos ver sorrir. Não vou atrás quando a porta bater. Não digo que sim. Não. Agora, sozinha outra vez...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Escuta. Silêncio que separa mundos vidas corpos sorrisos olhos mãos.
Morosas noites de silêncio de espera de angústia de dor.
Escuta. As lâminas das palavras tiradas à força a rasgar a pele do peito do corpo desprotegido de só. Escuta. Sozinha. Escuta. Chora. Escuta. Pede. Escuta. Falta. Escuta.
Dói. O silêncio dói.
"Aquilo que não te sei dizer existe com muita força e, se tentasse encontrar-lhe nomes, estaria a diminui-lo, a transformá-lo em qualquer coisa possível."

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Escuta, ouve

"Dentro de nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as partes.
Questiono os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo.
    Escuta,
    ouve."