domingo, 2 de outubro de 2011

Declaração em juízo


"Decerto não houve propósito
de me deixar entregue a mim mesmo,
perplexo,
desentranhado.
não cuidaram que um sobraria.
Foi isso. Tornei, tornaram-me
sobre - vivente.
Se se admiram de eu estar vivo,
esclareço: estou sobrevivo.
Viver, propriamente, não vivi
senão em projeto. Adiamento.
Calendário do ano próximo.
Jamais percebi estar vivendo
quando em volta viviam quantos! Quanto.
alguma vez os invejei. Outras, sentia
pena de tanta vida que se exauria no viver
enquanto o não viver, o sobreviver
duravam, perdurando.
E me punha a um canto, à espera,
contraditória e simplesmente,
de chegar a hora de também
viver."

Carlos Drummond de Andrade

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