quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A criança em ruínas


"Entre as palavras da minha voz, as minhas palavras, renasce um silêncio rasgado de morte.
Cresce um vazio no que em mim é vazio.
Sou a erosão de mim próprio.
Minto-me.
Nego cada brisa das minhas mãos, que não são minhas, das minhas lágrimas, que não são minhas, das minhas palavras.
Eu não sou eu.
Eu sou uma parede a morrer.
Eu sou uma árvore a morrer.
Eu sou um céu morto.
Venceu-me o Inverno e lutei a seu lado para me destruir.
Nunca fui criança.
Nunca encontrei ingenuidade ou arrependimento.
Hoje, cadáver insepulto, despeço-me sem mágoa do que não fui.
Sou a erosão de mim próprio e isso basta-me.
Sou o holocausto dentro de mim.
Sou um incómodo desnecessário.
Sou um erro propositado e sou erro maior por isso.
Entre as palavras da minha voz, as minhas palavras, renasce um silêncio rasgado de morte. Envelhecem estas palavras já velhas.
A minha vida é o tempo de matar-me e de repeti-lo em palavras como um ridículo."

José Luís Peixoto

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